segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Pe. Claudemar Silva

Então o papa João Paulo II teve uma amiga?

data de publicação: terça-feira, 16 fevereiro, 2016 | comentários : 0
A mídia mundial fez hoje (15) um grande estardalhaço com o fato de ter vindo a público a notícia de que o papa João Paulo II (1920-2005) teria se correspondido por carta, por mais de uma década, com uma amiga polonesa, filósofa, mulher e casada, Anna Teresa Tymieniecka.
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Bons tempos aqueles em que pudíamos enviar e receber cartas pelos correios. Esperávamos dias a fio por uma resposta. Era a demanda do tempo que tornava ainda mais belo o hábito da escrita: “Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante” (Antoine de S. Exupéry). Tínhamos uma ansiedade saudável na espera por notícias do outro lado. A caligrafia, o tempo dedicado à escrita, aqueciam o nosso coração e nos faziam sentir amados.
Então o papa não podia ter tido uma amiga?
A espetacularização dessa notícia só reforça a tese: a sociedade contemporânea é mesmo uma sociedade doente; de relações adoecidas e com uma grande tendência à sexualização de tudo. Somos ainda uma sociedade profundamente machista e sexista. Um homem e uma mulher não podem se relacionar amigavelmente. Não se pode ter amizade com o sexo oposto, pois, tudo, enfim, tende a terminar na cama. Pior ainda se for um homem religioso e que vive uma vida tão contrária às propostas de um tempo mergulhado na banalização do sexo e na violenta busca pelo prazer a todo custo. Não lhe será permitido nenhuma forma de carinho e afetividade: nem com mulher, nem com homem. Qualquer amizade poderá ser mal vista. O celibato, nesse contexto, apresenta-se, portanto, como uma afronta a esse modelo de vida onde o que importa é o prazer pelo prazer, o gozo pelo gozo.
Uma importante correspondente internacional disse que, se tais cartas tivessem vindo à tona antes da canonização do papa polonês – ocorrida em 2014 -, muito provavelmente ele não teria sido reconhecido santo. Quanta tolice!
Primeiro, como todo ser humano, o papa só poderia ser santo se, antes, estivesse aberto ao amor e amasse verdadeiramente. Se ele fosse um assexuado, um homem sem libido, sem desejos e sem devotamentos humanos aí, sim, ele não deveria ter sido sequer ordenado diácono. Precisaria se tratar com um bom psicólogo.
Amar é o que nos torna mais parecidos com Deus. E um homem, porque fez votos de se manter celibatário, não se castrou. Não amputou esta sua condição tão genuinamente humana; amar. Ele, tão somente, pôs prioridades no seu amor. E, livremente, optou por não contrair compromisso com terceiros, não ceder sua capacidade de amar a uma única pessoa, mas fazer o possível para amar a todos.
Depois, se houve entre eles – o papa e a mulher em questão – uma ligação mais íntima, e ambos souberam administrar da forma mais sensata e madura possível, onde está o erro? Onde está o pecado? Afinal, o coração não tem cercanias. O amor afetivo-sexual pode ocorrer em qualquer estágio da vida e com qualquer um. O que irá administrar o grau, a intensidade e o desenrolar do fato serão as partes envolvidas. Às vezes, o amor fica lá, recolhido a um canto, cultivado com carinho, mas sem ganhar vazão. Dão a ele o respeito e a dignidade que merece, sem lhe permitir avolumar-se pelo simples de que, antes dele, um outro amor, mais forte e salutar, ousou reivindicar exclusividade.
João Paulo II cresceu ainda mais em meu conceito. De todos os amores possíveis, em minha modesta opinião, nenhum se compara ao da amizade. Só um amigo verdadeiro é capaz de nos alcançar profundamente, e ficar conosco depois e apesar de tudo.
Apenas um amigo é capaz de nos fazer seguir adiante, confiante e destemido pelo caminho da vida. Só um amigo fiel é capaz de nos revelar quem somos e nos fazer enxergar o que nenhum outro é capaz de nos revelar. “Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro. Nada é comparável a um amigo fiel, o ouro e a prata não merecem ser postos em paralelo com a sinceridade de sua fé. Um amigo fiel é um remédio de vida e imortalidade; quem teme ao Senhor, achará esse amigo. Quem teme ao Senhor terá também uma excelente amizade, pois seu amigo lhe será semelhante.” (Eclo 6, 14-17).
Que bom que Karol Wojtyla, enquanto viveu, soube cultivar e fazer boas amizades. Oxalá, os homens e mulheres religiosos de nosso tempo saibam dedicar mais tempo a encontrar e a cultivar amizades assim.
E que uma certeza possa habitar nossos corações tão humanos: “eu suportaria perder todos os meus amores. Mas eu enlouqueceria se perdesse todos os meus amigos” (Fernando Pessoa).
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Por, Pe. Claudemar Silva
Vigário Paroquial no Santuário Diocesano Nossa Senhora Aparecida – Uberlândia /MG, e Diretor do CCD – Centro de Comunicação Diocesano.

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