Gilmar Machado debate soluções para crise hídrica em encontro com prefeitos
A gravidade do problema hídrico só foi razão de alerta para toda a sociedade quando saiu das páginas dos livros da literatura nordestina e sertaneja (representada por, entre outros, Graciliano Ramos e Raquel de Queiróz), e chegou ao coração econômico do País, São Paulo. Esta foi a principal crítica que o prefeito Gilmar Machado fez no debate “Soluções Federativas para a Crise Hídrica”, realizado na manhã desta quarta-feira (8), no segundo dia do III Encontro dos Municípios para o Desenvolvimento Sustentável (EMDS), promovido pela Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Mas a crise tem um lado bom, como salientou: abriu excelente oportunidade para discussões e, sobretudo, desarquivar projetos há anos deixados para trás pela despreocupação com a boa utilização da água.
Ao acumular, além da Prefeitura de Uberlândia, a vice-presidência de Águas da FNP, Gilmar mostrou que existe um hiato de ações, diálogos e legislações entre os três níveis da administração pública. E apontou diretamente para a Agência Nacional de Águas (ANA), cujo representante, o diretor-presidente Vicente Andreu, falara minutos antes: indagou a ele quantos municípios brasileiros sabem o que representa um comitê de bacias.
“Fui eleito presidente de uma associação microrregional, no Triângulo Mineiro, com 24 municípios. Quando falei que nela funcionavam dois comitês de bacias, me perguntaram do que se tratava. É o comitê de bacias que cuida da legislação para a utilização da água da qual dependemos”, explicou.
Gilmar observou que a população de aproximadamente 650 mil habitantes que vive em Uberlândia depende de dois grandes fornecedores de água: os rios Uberabinha e Ribeirão Bom Jardim, que vêm de Uberaba. E citou a dificuldade imposta pela legislação, ao destacar que não pode utilizar os recursos da sua prefeitura na cidade vizinha. “Se eu não cuidar da água em Uberaba, não terei água em Uberlândia. A questão hídrica não olha meu município ou o outro. O rio corre; não teve tempo de discutir como nossa federação se organizou politicamente. Tem seu próprio fluxo. Nós é que temos de nos adaptar”.
O lado bom da crise
A discussão de novos temas, sobretudo as limitações existentes, têm obrigado, segundo Gilmar, a busca de soluções e de integração. Ao lembrar que, a partir de 2016, o município que não apresentar um plano de saneamento estará excluído do recebimento de recursos federais (como avisou, na palestra anterior, Antonio Henrique de Carvalho Pires, presidente da Fundação Nacional de Saúde – Funasa), Gilmar observou que cada vez mais as prefeituras são sobrecarregadas com encargos. E que nem sempre é possibilitado à administração local desenvolver um plano adequado à sua própria realidade.
“Muitas vezes se compram aqueles projetos ‘Control C/Control V’. Só troca o nome do município e adapta. Não vai funcionar porque os córregos e os rios não são iguais, as fontes de águas não são as mesmas. Aí começam os problemas”.
Nem tudo, porém, foi crítica por parte de Gilmar. Ressaltou que, numa parceria com a Funasa que envolveu ainda Universidade Federal de Uberlândia, dos 24 municípios da região do Triângulo, 16 já estão com os planos de saneamento concluídos. “Não adianta achar que o grande município vai resolver seu problema sozinho. Vou exemplificar: a Ambev chegou em Uberlândia, consome 500 litros de água por segundo, captados de uma represa. Mas se não tratar o esgoto dos demais municípios no entorno, a empresa não vai poder captar porque a água estará contaminada. Esse tem que ser um trabalho conjunto. A questão hídrica nos leva a conviver uns com os outros. Não tem saída”, sentenciou.
Entre os debatedores, participou ainda Jorge Chediek, coordenador-residente do Sistema ONU no Brasil. Ao final, a palavra foi aberta para outras dez pessoas. Entre essas participações, o vereador Dalton Figueiredo, de Pirapora (MG), e o prefeito de Alfredo Chaves (ES), Roberto Fortunato Fiorin, endossaram e destacaram as iniciativas registradas por Gilmar.
Saltos adiante em plena crise hídrica
A crise hídrica forçou os municípios a deixarem a zona de conforto para fazerem o dever de casa. E, como o prefeito Gilmar Machado observou, Uberlândia já deu alguns saltos adiante.
Começou citando o Projeto Buriti, desenvolvido pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae). Uma proposta que apresenta ao produtor rural a visão de que, além de alimentos, é possível também produzir água via preservação das nascentes. “Fazemos um acordo com o agricultor. Vamos lá e cercamos a área para ele, porque muitas vezes falta-lhe recursos. Fazemos as barraginhas para que a água possa se acumular na época das chuvas e, para no período seco, abastecerem os lençóis. Uma obra dessas não custa muito. O resultado é que estamos com mais de 40 produtores de água no município”, explicou. E acrescentou: “Também fazemos as curvas de nível e melhoramos as estradas. O efeito colateral é que o estudante da rede escolar rural não perde aulas, porque a rodovia está mantida, o acesso sempre liberado”.
Gilmar, aliás, ressaltou que preservar a água é interligar vários elementos da gestão pública. Tal como o Projeto Buriti, que inclui a conservação de estradas vicinais.
“Não podemos achar que é só o DER ou o Dnit que devem cuidar de estradas. A questão da água também tem influência na conservação delas. Se eu não fizer as curvas de nível corretamente, na primeira enxurrada o asfalto estará destruído. Hoje, gastamos menos com a manutenção de estradas. Passamos a tratar disso porque a questão hídrica é o fio condutor que liga muitos setores da engenharia das cidades”.
Educação é fundamental
Gilmar trouxe ainda para o debate a confirmação de que a educação é a base da cidadania, pilar da preservação e da sustentabilidade. E que Uberlândia, novamente, tem algo a apresentar nesse setor: o projeto Água Cidadã. Trata-se de um trabalho com as crianças, ao longo de todo o ano.
“Mostramos aos meninos como se produz água, como a água suja se torna limpa e tratada. Queremos fazer com que a criança entenda o custo que se tem para o tratamento de água. E que não é justo ficar com mangueira lavando calçadas com água tratada.”
Gilmar insistiu que crise é oportunidade. E apresentou aos debatedores um dado: Uberlândia reduziu em 20% seu consumo de água, sem causar desequilíbrio financeiro ao Dmae. “E nós não tivemos crise. Estamos com duas usinas de tratamento de água e estamos começando a construção da terceira de captação, para uma população de 1,5 milhão de habitantes, sendo que Uberlândia tem atualmente aproximadamente 650 mil. Estamos pensando no futuro, criando condições e tranquilidade para que a cidade cresça. E para que as atividades econômicas continuem funcionando”.
Mapa Azul e Verde
Mas, para tudo isso, é necessário manter os recursos hídricos monitorados. Gilmar mostrou que, ano passado, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente, foi elaborado o Mapa Azul e Verde. O plano cadastrou todos os 26 córregos e cursos d’água do município. Todos estão com tratamento e será feito o controle de cada um, bem como o dos equipamentos públicos de área verde. “Elas nos ajudam a determinar um local de absorção da água”, esclareceu.
O prefeito de Uberlândia anunciou ainda que está para ser lançado um projeto de captação de água nas escolas, pois, na crise, as pessoas entram em desespero e o fazem sem a devida orientação. O resultado foi um surto de dengue, em parte provocado pelo armazenamento errado da água.
“Não se pode resolver um problema criando outro. Os municípios devem estar preparados para o novo modelo. Temos que fazer captação de água, mas de forma orientada e organizada. Senão, teremos problemas na área da saúde”.
Integração pressupõe diálogo
A integração da administração pública somente se sustenta se houver um amplo diálogo. No debate, o prefeito Gilmar Machado cobrou um acesso maior aos organismos federais, sobretudo ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Isso porque, como observou, Uberlândia tem 16 assentamentos de trabalhadores rurais, que precisam de condições mínimas de higiene e saúde.
“Todos acham que tratamento de esgoto se faz somente em área urbana. Noventa e nove por cento do município é atendido. Mas ninguém sabe responder quando o caso envolve a área rural. Ora, quem está lá também é atendido”, reclamou. Gilmar acrescentou que em dois assentamentos estão sendo desenvolvidos dois projetos de fossas sépticas e de tratamento de esgoto.
“E vamos chegar nos outros porque eles também têm direito. E porque vamos melhorar a agricultura. Você chega numa área que tinha um fazendeiro, e agora tem 250, o que você vai fazer? Como fossa negra vem contaminação. E prejuízo na agricultura. Preciso fazer tratamento ali por conta da atividade econômica”.
Balanço do encontro
Na rodada de debates, participaram também representantes do Instituto Ethos, do Greenpeace e do Conselho Federal de Engenharia. Instituições que, na visão de Gilmar, demonstra que o recurso hídrico é a grande discussão dos próximos anos.
“A presença dessas entidades por si só demonstra a necessidade de integração. A Frente Nacional de Prefeitos está fazendo diálogos importantes, com pessoas experientes, que vão nos ajudar a fomentar a grande mobilidade que temos que ter na sociedade”.
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