terça-feira, 26 de abril de 2016

Por, Pe. Claudemar Silva

O grande problema de cristãos como Eduardo Cunha é que eles separam fé e vida, como se fosse possível diferenciar substancialmente uma da outra. Algo que, para a fé judaico-cristã, é indissociável. Conseguem, inclusive, pedir a misericórdia de Deus para a nação da qual eles mesmos ajudam a solapar.
Ora, há uma lógica irrefutável em toda a literatura bíblica: a lei do crer [lex credendi] incide, necessariamente, sobre a lei existencial da fé [lex vivendi] e vice-versa. Pensar o contrário é estrangular o dado bíblico e distorcê-lo ao bel prazer. Algo nefasto e blasfemo. Afinal, não há separação entre uma e outra coisa. Não se pode ser um dentro dos templos religiosos e um outro, totalmente oposto, fora deles. A santidade a que somos chamados evidencia-se sobretudo na prática coerente dos gestos extra muros, isto é, fora da igreja. É na seara do mundo, e não em outro lugar, que se percebe a adesão fiel a Deus e ao seu projeto de salvação, cuja expressão se traduz no direito, na justiça, na equidade e na vida digna para todos.
Se alguém diz acreditar em Deus e professa uma fé, essa fé deve ter desdobramentos éticos. “Lábios” e “mãos” devem caminhar para uma mesma direção. A corrupção, por exemplo, seja ela na esfera pública ou privada, é inconciliável com os dogmas que se professa. A desonestidade avilta a santidade de Deus e a dignidade humana. Por essa razão, não se pode dizer que serve a Deus se se vive de modo contrário aos Seus mandamentos. Isso seria uma hipocrisia. E se teve um pecado que Jesus detestou e o qual ele condenou durante todo o seu ministério foi este (cf. Mt 15, 7ss).
O hipócrita vive como se seus atos feitos entre quatro paredes, de um quarto ou de um gabinete, não tivessem nada a ver com o seu modus vivendi religioso. Tem tudo a ver! Afinal, não é com os lábios que em última instância se professa efetivamente uma fé, uma crença ou uma convicção religiosa. Isso até os pagãos o fazem. Também os demônios foram capazes de reconhecer o Senhorio de Jesus (cf. Mc 1,24).
Por outro lado, são os gestos concretos que testemunham contra ou a favor de nós. Eles nos redimem ou nos condenam: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer” (Mt 25, 45).
Portanto, vociferar nas redes sociais passagens bíblicas, como fazem muitos políticos ditos cristãos – católicos e evangélicos – soam, a meu ver, como algo pedante e desnecessário. Isso não evangeliza nem convence ninguém. Ao contrário. Pode se tornar um grande escândalo, para ficar com um termo genuinamente bíblico. E por quê? Porque a prática religiosa de muitos desses políticos destoa enormemente da vida, muitas vezes vivida no pecado da omissão, da negligência, da indiferença, do culto aos prazeres, aos ídolos deste mundo, a si mesmos, e a um sem fim de comodidades.
Quando isso ocorre, é preciso que se diga com toda coragem: “Hipócritas! Bem profetizou Isaías sobre vós, denunciando: ‘Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; pois ensinam doutrinas que não passam de regras criadas por homens” (Mt 15, 7-9). Muitos ali ousam tomar o nome de Deus em vão – que é um pecado grave, inclusive – para acobertarem suas vidas duplas, suas infidelidades partidárias e conjugais e seus descompromissos com a causa da grande parte da população que deposita neles a sua esperança.
Talvez seja ingenuidade pedir que eles se convertam. Pois, eles acreditam piamente que já são do Senhor – “aceitaram Jesus” – e nada os demoverá do pedestal que eles mesmos colocaram para si. Refestelam-se diuturnamente no poder do qual não abrem mão e ai de quem ameaçar seus postos de vanguarda. Desse pecado, advertiu Jesus a seus discípulos: “sabeis que os governantes dos povos os dominam e que são as pessoas importantes que exercem poder sobre as nações. Não será assim entre vós. Ao contrário, quem desejar ser importante entre vós será aquele que deve servir aos demais. E quem quiser ser o primeiro entre vós que se torne vosso servidor” (Mt 20, 25-27).
Por fim, é sempre bom recordar-nos: o Homem é um ser político por natureza. Isso já afirmara Aristóteles em sua Metafísica, e com a qual concordamos plenamente. A fé cristã, de fato, não pode se eximir do compromisso e da responsabilidade com este mundo e com a sua transformação. Logo, a política é uma benção, um dom e uma vocação.
Entretanto, um cristão que ousa entrar para a vida pública da política precisa ter em conta que, um dia, o Justo Juiz lhe pedirá contas do modo como administrou aquilo que não lhe pertencia e que deveria ter sido usado justa e honestamente para a promoção do bem comum, a começar dos mais necessitados: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me” (Mt 25, 34-35).
Eduardo Cunha e cia LTDA [quero crer que não são todos], no entanto, seguem confiantes de que são invencíveis e que passarão incólumes por esta vida. Ingênuos! Aos homens até se pode ludibriar, convencer, manobrar. A Deus, porém, ninguém engana.
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Por, Pe. Claudemar Silva
Fonte: www.elodafe.com.br

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